quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Desaparecido

Não a amava pela beleza. Até por que ela podia ser engraçadinha e até bonitinha, mas bela, bela, definitivamente não era.
Nem quando, ao vê-lo, seus enormes olhos brilhavam tão intensamente que faziam ainda menor o rosto miúdo.
Também não a amava pela inteligência. Não que fosse burra, não – definitivamente não. Em muitos momentos era sagaz e até sábia.
Mas quem se daria tanto, confiaria tanto se fosse lúcido e racional?

Pensando bem não a amava por nada que fosse dela – nem o rosto, o corpo, a mente, a alma. Nada.
Ele, egoísta, a amava por um único motivo: por que ela o amava.
E o amava tão plena e profundamente que ele se sentia único, poderoso e total.
Mas por ser amado com tanta delicadeza e liberdade, paradoxalmente, ele  sentia-se preso.

 Deixou-a  então.  Sorrateiro e mudo. Livrou-se do peso daquele amor compreensivo, parceiro mas já sem frescor.
Fugiu para a amplidão da vida cheia de surpresas que ela, tão previsível, não lhe oferecia.
Constrangido, escapou antes que ela pudesse amá-lo ainda mais. Já não satisfazia.
Cruel, de longe a viu definhar, esvaindo-se na dor dos não amados.
Enfim, entediado, apenas afastou-se e deixou o tempo passar.

 Amigos afinal, ele, elegante, achou que era hora de reencontrá-la .
E foi, como ela sempre achava, inteligente, divertido, culto e até mesmo surpreendente.
Mas estranhamente sentiu-se vazio e foi tomado de uma imensa dor.
Custou a perceber por que:  não via mais seu belo reflexo naqueles olhos tristes.
Ela, enfim, deixara de amá-lo. Assim. Sem alarde, sem lágrimas.

E só naquele instante ele, atônito, deu-se conta de sua tragédia.
Ele a amava por que ela  o amava.
E sem aquele amor ele não era ele. Desaparecia.
Ele simplesmente não existia.
                                     Lucia D'Acri

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Traurigkeit

Ainda criança lhe ensinam que é feio mentir.
E você acredita.
Logo aprende que certas verdades não devem ser ditas. É feio.
E você acredita. E cala.
Depois entende que viver é uma grande farsa.
E você não acredita mais. E cala. E sofre.
Então descobre que a verdade também é feia.
                             Lucia D'Acri

ps. E quando me perguntassem como estou, gostaria de poder responder que se tristeza desse pernada, hoje eu não levantava do chão de tão decepcionada, amargurada e descrente. Assim mesmo - dura, rude, chocante e cínica, mas só verdade.